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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Nada de novo sob o sol 20




Bastiana gritava para Nena parar de correr; a menina estava sapeca, falando tudo e deixando os pais cada dia mais encantados. Ela estava mais e mais graciosa, pronunciando as palavras cheias de erros, sempre agitada e feliz.  Acabava de cruzar o portão da casa, deixando a mãe alguns passos atrás.
-Nena, você vai apanhar. Não falei pra não soltar da minha mão?
-Não.
-Falei, sim senhora! Não faça mais isso!
 Bastiana segurou um risinho; aquela menina era levada demais! Lembrou-se do quanto havia resistido à ideia de adotá-la dois anos atrás, e agora – que Deus a perdoasse - sentia mais amor pela caçula do que pela sua filha de sangue. Coisa de afinidade, mesmo. Fazer o quê?
-Passou toda a roupa?
-Oi, mãe, ainda não terminei.
-Você está parecendo uma tartaruga, igualzinha à da dona Terezinha.
-Credo, mãe, eu já vou terminar. Posso dar uma bala pra Nena?
-Bala? Que bala?
-O Miguel trouxe bala. Posso dar pra ela?
-Claro que não. Ela é muito pequena pra isso. Ele veio aqui?
-Veio, e trouxe bala. Ele é bonzinho.
-Não quero que você fique pegando bala de ninguém. Entendeu? Entendeu, Carmo?
-Sim, senhora.
Enquanto fazia careta por trás da mãe, Carmo pensava que não existia no mundo mãe mais chata que a dela.

Nada de novo sob o sol 19


-Pegue, são pra você.
-Pra mim?
-É, pegue, não precisa ter vergonha.
Carmo pegou o punhado de balas, feliz da vida. Ela só ganhava balas quando  frei  Alfons mandava, junto com alguma carne que ele mesmo preparava. Esses dias tinham gostinho de festa.
-Não quis sair hoje com sua  mãe?
-É que ainda ficou muita roupa pra passar, aí eu fiquei pra ir adiantando, senão minha mãe não dá conta.
-Deve ser chato passar roupa, não é?
-Eu gosto, não acho chato não.
-Mas aposto que preferia estar brincando.
-É.
-Nunca vejo você brincando. Não gosta de brincar?
-Gosto sim. 
Carmo estava incomodada com aquela conversa. Miguel nunca havia entrado na casa dela, e justo hoje que a mãe e Nena haviam saído, ele apareceu. Mas era bonzinho aquele moço. Lembrava o tio Manoel.
-Você tem bonecas?
-Não, mas bem que gostaria.
-Quando é seu aniversário?
-Dia 8 do mês que vem.
-Está pertinho. Por que não pede uma pro seu pai?
-Tadinho do meu pai; o dinheiro não dá pra isso, não.
-Bom, vou indo. Se quiser mais bala, é só ir lá no quartinho. Até mais ver.
-Até.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Nada de novo sob o sol 18

Não demorou muito para que Miguel – esse era o nome do inquilino – arrumasse um emprego. Como não tinha qualificação, aceitou trabalhar como pintor de paredes, e serviço não faltava. Trabalhava até às 16h, e depois ia para seu quartinho, onde também fazia as refeições. As poucas vezes que encontrava os donos da casa era quando ia usar o banheiro e algum deles estava pelo quintal. Parecia um moço pacato, embora Bastiana o tivesse flagrado algumas vezes com forte cheiro de álcool. No entanto, pagava o aluguel em dia, e isso era o que importava. Desde que ele fora para lá, estava dando para viver de uma maneira menos apertada.
Bastiana continuava lavando roupa para fora, e quase todas as tardes saía, às vezes para pegar as roupas, outras vezes para entregá-las. Quase sempre Carmo ia junto, assim ajudava a mãe e ainda podia passear um pouquinho. Um dia, enquanto Bastiana estava no tanque, acompanhada de Nena que  brincava na terra, ouviu um choro, que percebeu ser da filha. Correu para dentro e encontrou a menina em pé, as mãos sujas de sangue, chorando sem parar. Bastiana percebeu imediatamente o que acontecera.
-Por que esse escândalo?
-Eu tô sangrando, mãe. Juro que não fiz nada. Tá doendo muito minha barriga!
-Isso é normal, Carmo. Toda mulher tem.
-Como assim?
-Você virou mulher. Agora todo mês vai sangrar. Vou pegar um paninho pra você enquanto toma banho.
-Mas eu vou ficar assim pra sempre?
-Daqui uns 4 dias pára, Carmo. Não precisa fazer drama. Agora vá tomar banho.
Enquanto Carmo tomava banho, a mãe pegava a roupa suja e a lavava no quintal. Enquanto isso, dois olhos espiavam pela porta do quartinho, sem serem notados.

Nada de novo sob o sol 17


Os Roubos da Allemanha
“A Allemanha pagara caro os seus crimes, os seus grandes crimes cometidos contra as cidades inimigas que invadiu. A Germania, como um Attila maldito, quebrou sob ao tacão brutal obras de arte de quantas cidades se apossou, mas das obras, é claro, que não pode transportar à pátria do Marechal dos Pregos. Mas agora, vencida e humilhada, é agarrada como uma ladra vulgar pelos aliados e, uma a uma restitue ao seu dono os quadros celebres que roubou, os valores que extorquiu...O kaiser, hoje Conde Guilherme, refugiado covardemente em terras da Hollanda altiva e neutra, sofre já moramente as consequências de sua megalomania, mas ainda receberá physicamente as penas a que fez jus...O kaiser que espere o premio dos seus crimes infamantes. O mundo já o julgou, a Inglaterra vae executar a sentença.”
Bastião entrava na sala bem na hora em que frei Alfons jogava o exemplar do jornal Cruzeiro do Sul sobre a mesa, gritando uma série de impropérios em alemão. Já estava voltando silenciosamente para a cozinha, quando o frei o chamou.
-Já arrumou alguém pra morar no quartinho?
-Não senhor, frei. A Bastiana falou com umas vizinhas lá, e quando alguém souber de algo vai avisar.
-Pois eu soube de um rapaz que está vindo do Paraná e não tem onde morar. A tia veio falar comigo; parece que ele queria morar com ela, mas a casa é pequena e não vai dar para ela abrigá-lo. Quando ele chegar, mando falar com você.
-Tá certo, frei. Deus abençoe.
Foi na semana seguinte que o rapaz apareceu. Aparentava ter seus 28, 29 anos. Solteiro, disse ter ido procurar emprego, mas  tinha umas economias para pagar pelo aluguel enquanto procurava alguma coisa. Bastião pediu permissão ao padre pra sair mais cedo e mostrar o quartinho ao rapaz. Bastiana lavava a roupa no quintal quando eles chegaram. Carmo estava em seu quarto guardando umas peças de roupa que acabara de passar. O rapaz cumprimentou Bastiana e entrou no quartinho. Não havia grande coisa pra se ver – era um quarto de 3mx3m, com parede chapiscada e nenhum móvel. Ele resolveu ficar – apesar da simplicidade, ele não tinha recursos pra pagar por algo melhor.

Nada de novo sob o sol 16


-Nossa, como você está peituda! Tá parecendo a minha mãe!
- Ai, Lúcia, não exagera! Mas está dando pra ver, assim?
-Só não vê quem for cego...invejinha de você, sabia?
- Inveja? Eu odeio! Queria ser reta como uma tábua. Parece que todo mundo está olhando...
- E deve estar, mesmo. Se você juntar os dois  forma até um reguinho, não forma?
-Credo, Lúcia, pare com isso! Não tem graça!
-Ai, deixe eu te falar: tem um moço lindo morando na minha rua, agora! Moreno, de cabelo cacheado e olho preto. Trabalha num cartório. Coisa mais linda do mundo!
-Vê se toma vergonha na cara, Lúcia. Uma pirralha já olhando pra homem! Você é muito nova pra isso!
-Ah, e você não é? Nós temos a mesma idade, esqueceu?
-E quem disse que eu olho pra homem, Lúcia? Credo, dá até nojo só de pensar!
-Pois eu já gosto de olhar, sim senhora. Ainda mais pra aquele que é uma belezura!
Bastiana aparece na porta e passa um pito nas duas, que estão papeando enquanto deveriam estar ajudando no almoço. Carmo passa a mão no escapulário, que usava todos os dias, e as duas vão pra cozinha, rindo gostoso como fazem as meninas de 11 anos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011