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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Nada de novo sob o sol 15

Carmo acordou alegre aquele dia: iriam receber a visita da tia Terezinha, do tio Manoel e dos primos. Desde que Nena viera morar com eles, todos estavam loucos para  conhecê-la, mas o dinheiro era pouco, e o  trabalho, muito.  Como Carmo gostaria de saber escrever para contar para Lúcia tudo o que ia em seu coração! Sabia de pessoas que se falavam por cartas, e achava isso incrível!  Mas, como era menina, os pais não viam motivo algum para mandá-la à escola. Realmente, só conhecia duas meninas que sabiam ler e escrever:  a Paulina e a Rosa. As duas tinham aprendido porque tinham  irmãos, e eles as ensinaram de tanto que elas insistiram. Queriam tanto aprender que conseguiram rapidinho. Paulina uma vez contou que estava lendo escondido um livro do irmão... se os pais soubessem, ela estaria perdida.
Absorta nesses pensamentos, Carmo ia penteando os cabelos e olhando-se no espelho. No último ano, seu corpo tinha mudado muito: as coxas engrossaram, a cintura afinou, e os seios começavam a aparecer. Como morria de vergonha que percebessem, andava com os braços cruzados quase o tempo todo. Suas vizinhas ainda tinham corpo de criança, e Carmo as invejava por não terem que se esconder das pessoas. Uma vez, tentara falar com a mãe a respeito, mas Bastiana apenas disse: “ Isso não é assunto pra criança”. Carmo quase morreu de vergonha e, com o rosto queimando, jurou nunca mais falar sobre isso com a mãe. Mas com Lúcia falaria; embora ela fosse sua “filhinha”, tinha quase sua idade e, quem sabe, já estivesse passando por isso também.
Carmo chegou na cozinha na hora exata em que Bastiana passava um sermão em Bastião; estava quase na hora da visita chegar, e ele estava metido em seu serviço de pedreiro. Há um mês, havia tido a ideia de construir um quartinho do lado de fora da casa, ao lado do banheiro, para poder alugar e ganhar um dinheiro. Frei Alfons estava ajudando com o material. Todo dia,  ao chegar do trabalho, ele vestia sua roupa mais surrada e lá ia fazer cimento e assentar tijolos.  Bastião entrou todo sujo pela cozinha, e levou mais uma bronca, bem merecida, por sinal. Carmo e a mãe tinham passado o dia anterior inteiro deixando a casa limpa e acolhedora para a visita. Tinham até colhido algumas azaleias do jardim de Bastião e colocado dentro de um vidro de leite vazio para enfeitar a sala. Pena que não houvesse lugar para todos se sentarem. Mas isso não era problema: os adultos ficariam nos bancos, as crianças ficariam no chão.
Mal Bastião saía de seu banho fajuto, os parentes bateram palmas no portão. Carmo saiu correndo, Bastiana foi atrás com Nena nos braços. Enquanto Zinha carregava Nena e falava daquele jeito engraçado que falamos com bebês, tio Manoel apertava as bochechas de Carmo, dizendo: “Bastianinha, como você cresceu!”  Os meninos e Lúcia estavam muito envergonhados – era a primeira vez que saíam de casa para uma visita em outra cidade. Os corações estavam aos pulos. Enquanto Paulo e Lúcia pareciam assustados, Manoelzinho falava sem parar, contando  como havia sido emocionante a viagem de ônibus. Então Bastiana disse:
- Vamos entrar. Ou vamos ficar conversando  no portão, feito comadres?

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